Apesar de o empresário não ser presumidamente hipossuficiente, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece que a vulnerabilidade pode se manifestar em diversos planos: técnica, jurídica ou econômica. Essa constatação é especialmente relevante nas relações com instituições financeiras, onde os contratos são, em sua maioria, de adesão e marcados por forte assimetria de informação e poder.

1. A relativização do “pacta sunt servanda” na jurisprudência

O princípio do pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos) não é absoluto. A doutrina e a jurisprudência vêm consolidando o entendimento de que, diante de cláusulas iníquas, é legítima a intervenção judicial para restabelecer o equilíbrio contratual.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Goiás reconheceu expressamente essa possibilidade:

> “Pode haver a relativização do princípio pacta sunt servanda quando a obrigação assumida, diante das circunstâncias apresentadas, mostrar-se inaceitável do ponto de vista da razoabilidade e da equidade, comprometendo a função social do contrato e a boa-fé objetiva.”

(TJ-GO – Apelação Cível: 0177594-04.2018.8.09.0051, Rel. Des. Carlos Roberto Fávaro, j. 10/07/2019)

Esse entendimento reforça a função social do contrato e afasta a ideia de que a assinatura do empresário, por si só, convalida cláusulas abusivas. A revisão contratual se justifica quando houver desequilíbrio evidente ou ausência de transparência — princípios estruturantes do Direito Civil contemporâneo.

2. Identificação das cláusulas abusivas nos contratos bancários

Nos contratos bancários com empresários, é comum a inserção de cláusulas que:

Permitem a capitalização mensal de juros (anatocismo);

Impõem a contratação de seguros (como prestamista ou automotivo);

Estipulam tarifas genéricas, sem detalhamento dos serviços correspondentes;

Cumulam cláusulas penais e encargos moratórios de forma desproporcional;

Restringem indevidamente o direito à revisão contratual.

A jurisprudência paulista também reconhece essas práticas como abusivas:

> “Uma vez que não restou demonstrado, por meio de laudo de avaliação, a cobrança da tarifa de avaliação do bem deve ser tomada como abusiva.”

(TJ-SP – Apelação Cível: 1042961-30.2023.8.26.0002, Rel. Des. Léa Duarte, j. 20/08/2024)

Nesse mesmo julgado, também foi afastada a imposição de “venda casada” dos seguros prestamista e automotivo, o que demonstra o reconhecimento da proteção do contratante mesmo quando se trata de pessoa jurídica.

3. Aplicação da teoria finalista mitigada

Embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) seja, em regra, aplicável apenas ao consumidor pessoa física, o Superior Tribunal de Justiça admite sua aplicação à pessoa jurídica quando comprovada sua vulnerabilidade. Essa é a chamada teoria finalista mitigada, que amplia a proteção contratual sempre que houver desequilíbrio entre as partes — mesmo em relações empresariais.

Nos contratos bancários, especialmente em Cédulas de Crédito Bancário (CCB), é comum que a pessoa jurídica assine contratos padronizados, sem negociação prévia, o que justifica o tratamento protetivo.

4. Meios de enfrentamento jurídico

A proteção do empresário diante de cláusulas abusivas passa por três frentes:

1. Prevenção: leitura atenta dos contratos e assessoria jurídica na fase pré-contratual.

2. Negociação: tentativa de reequilíbrio contratual com base na boa-fé e função social.

3. Judicialização: ajuizamento de ação revisional com pedidos de exclusão de cláusulas, compensação de valores pagos indevidamente e, quando necessário, liminar para suspensão de cobranças.

Conclusão

A atuação do empresário no mercado não o torna imune à imposição de cláusulas abusivas por instituições financeiras. A função social do contrato, a boa-fé objetiva e a transparência são valores constitucionais que legitimam a revisão dos contratos, mesmo firmados entre empresas e bancos.

Diante do cenário de assimetria e padronização contratual, a atuação jurídica preventiva e reativa se torna ferramenta essencial para preservar a saúde financeira do negócio. O empresário informado pode — e deve — resistir às práticas abusivas, utilizando os instrumentos legais disponíveis.

Referências doutrinárias

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Contratos. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume Único. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 15. ed. São Paulo: RT, 2022.

BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos et al. Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 11. ed. São Paulo: Forense, 2021.

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 9. ed. São Paulo: RT, 2020.